domingo, 16 de dezembro de 2012

A ROUBALHEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL



1)     Breves Considerações
Com a entrada em vigor do novo Código Contributivo para a Segurança Social (CC) os trabalhadores independentes (TI) que podem ser empresários em nome individual ou profissionais liberais - passaram a ser tributados em Segurança Social (SS) de acordo com novas regras.
Anteriormente à entrada em vigor do CC cada TI descontava de acordo com as suas possibilidades e com a sua vontade indexando-se a um dos muitos escalões existentes. Assim, ao atingir a idade da reforma, o TI teria direito à mesma de acordo com os descontos efectuados – descontos mais elevados significavam reforma maior, descontos menores significavam menor reforma. Não tinham direito a subsídio de desemprego.
O CC veio introduzir princípios aparentemente mais justos, obrigando cada TI a descontar para a SS de acordo com os seus rendimentos e introduzindo o direito ao subsídio de desemprego. Não querendo agora abordar o direito ao referido subsídio (assunto muito recentemente regulamentado e de concretização duvidosa) nem a taxa praticada (29,6%), nem o facto de, com o novo Orçamento de Estado para 2013, os descontos dos TI para a SS irem aumentar, compete aqui esclarecer a trafulhice praticada pela SS inerente à base de cálculo da contribuição mensal de cada TI. 
O que estabelece o CC é que, todos os anos, a Administração Tributária (AT), vulgo “fisco”, dotará a SS da informação fiscal necessária relativa a cada TI para apuramento do chamado “rendimento relevante”. Ora, tal “rendimento relevante” não é mais do que o lucro fiscal ou lucro tributável (LT) desse TI, existindo 2 maneiras de o calcular: através da contabilidade organizada (por opção do TI ou por obrigação legal) ou pelo regime simplificado nos outros casos. Acontece que na declaração anual de IRS de cada TI sabe-se, nomeadamente, o regime (simplificado ou contabilidade organizada) o valor do LT, o CAE – Código de Actividade Económica –, o volume de vendas e de serviços prestados, entre outros elementos. Para melhor entendermos o problema segue-se um pequeno exemplo:
2)     Exemplo 
Admitamos um TI que explore um bar ou um café, que em 2011 (de acordo com as declarações prestadas na declaração do IRS) teve um volume de negócios de 100.000 € (serviços prestados) e tenha tido custos de actividade (salários, rendas, matérias consumidas nos serviços, electricidade, etc.) no montante de 90.000 €. O LT (tanto para a determinação do IRS a pagar ao Estado como para determinar a contribuição mensal para a SS) será: 
De acordo com o regime de contabilidade organizada: 
LT = 100.000 – 90.000 = 10.000 
De acordo com o regime simplificado: 
LT = 100.000 x 20% = 20.000 
É fácil observar que quanto maior fôr o LT maior será a contribuição mensal para a SS.
Ora acontece que, a AT indica à SS o volume de vendas e de serviços prestados. A SS por sua vez faz as seguintes contas: 
LT = 100.000 x 70% = 70.000 
O que, obviamente, faz aumentar consideravelmente o valor da Contribuição Social mensal a pagar pelo TI do exemplo.
Nota: No regime simplificado do IRS, 70% é o lucro sobre o valor dos serviços prestados e 20% é o lucro sobre as vendas de mercadorias dos comerciantes e na actividade de restauração. 
Bastaria à AT indicar à SS o lucro tributável e ponto final. Mas não: indica o volume de negócios para que a SS determine a seu bel-prazer a contribuição mensal do TI. E esta fá-lo pelo valor que mais lhe convêm: o mais elevado (no exemplo, os 70.000 €)
Claro que, como isto não passa de uma batotice passível de reclamação, “permitem” ao TI comunicar à SS os dados correctos. Vejamos então a missiva que a SS envia ao TI (foram substituídos os valores originais pelos do exemplo sendo que o corpo do texto é rigorosamente igual ao enviado por e-mail ao TI. As cores de fundo de texto também são nossas). Depois, seguem-se algumas considerações a esta enorme falcatrua.
3)     E-mail da SS aos contribuintes
Exmo(a). Senhor(a),
Para efeitos de cumprimento da obrigação contributiva1 foram-lhe fixados oficiosamente os seguintes elementos:
  • Rendimento relevante de 700002 EUR;
  • Escalão 11;
  • Taxa contributiva de 29,6 %;
  • Contribuição a pagar mensalmente no valor de 1489,07 EUR.
  • Os elementos acima referidos resultam do rendimento do ano de 2011 no valor de 100000 EUR. Este foi o valor declarado à Administração Fiscal, sujeito a tributação, no âmbito da categoria B.
Alteração de Escalão
Pode optar pelo escalão que corresponde ao rendimento relevante apurado, através do serviço Segurança Social Direta disponível a partir de 6 de dezembro de 2012 (ver instruções em anexo).
Se iniciou ou reiniciou atividade e o seu rendimento relevante for igual ou inferior a 12 vezes o valor do IAS pode pedir, também na Segurança Social Direta, no prazo abaixo indicado, que seja considerado como base de incidência contributiva o duodécimo do respetivo rendimento, com o limite mínimo de 50% do valor do IAS.
Comunicação do Valor do Lucro Tributável
Caso esteja abrangido pelo Regime de Contabilidade Organizada e para que seja considerado como rendimento relevante o valor do lucro tributável, quando este seja inferior ao que resulta do critério dos coeficientes 70% (do valor total de prestação de serviços) e/ou 20% (dos rendimentos associados à produção e venda de bens), deve indicar, também através da Segurança Social Direta até 31 de dezembro de 2012, o valor do lucro tributável (ver instruções em anexo).
Comunicação de Subsídios à Exploração
Caso seja Produtor Agrícola e tenha declarado à Administração Fiscal, rendimentos correspondentes a subsídios à exploração, deverá indicar o seu valor, igualmente através da Segurança Social Direta, até 31 de dezembro de 2012 (ver instruções em anexo).
  • Caso seja produtor agrícola em exclusividade e a taxa contributiva acima fixada não seja a de 28,30%, pode solicitar a alteração da mesma, nos serviços competentes da Segurança Social da sua área de residência, produzindo efeitos no mês seguinte ao da sua ocorrência, nos termos do art. 65.º n.º4 do Decreto -Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro.
Comunicação de atividade
Caso preste serviços no âmbito de atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, e que o declare fiscalmente como tal, deverá apresentar comprovativo do CAE dessa atividade nos serviços competentes da Segurança Social da sua área de residência ou através da Segurança Social Direta (ver instruções em anexo), até 31 de dezembro de 2012, a fim de ser aplicado para determinação do rendimento relevante o coeficiente de 20%.
Se efetuou alguma das alterações acima referidas e não recebeu resposta aos seus pedidos, faça o pagamento da contribuição no valor acima indicado, sem prejuízo de acertos posteriores, até que lhe seja indicado o novo escalão.
Todos os pedidos e alterações sobre esta matéria deverão ser realizados através da Segurança Social Direta, a partir de 6 de dezembro de 2012, em www.seg-social.pt conforme acima indicado e de acordo com as instruções em anexo.
Com os melhores cumprimentos,
A Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP
Mariana Ribeiro Ferreira
1 Nos termos do disposto no artigo 63.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro.
2 A base de incidência contributiva é determinada por referência ao duodécimo do rendimento relevante, que corresponde a 70% do valor total de prestação de serviços e/ou a 20% dos rendimentos associados à produção e venda de bens ou ao valor do lucro tributável, se este for inferior ao valor que resulta da aplicação das regras anteriormente citadas, do ano civil imediatamente anterior à data da sua fixação.

Legislação:
Código dos Regimes Contributivos (CRC), anexo à Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, alterada pela Lei n.º 119/2009, de 30 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 140-B/2010 de 30 de dezembro, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro e pela Lei n.º 20/2012 de 14 de maio
Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro e Portaria n.º 66/2011 de 4 de fevereiro
4)     Considerações finais
De acordo com o CC o TI deve ser notificado via e-mail e via postal. Em 2 casos conhecidos a notificação apenas foi enviada via e-mail. Pergunta-se: e se o e-mail se extravia?
Escalão (a amarelo): os TI apenas podem subir 1 escalão por ano, excepto se optarem pelo escalão de referência. Há um caso conhecido de um TI que passa do 2º escalão para o 10º... Neste caso o 11º escalão corresponde a:
70.000 € / 12 meses = 5.833,33 € por mês;
1 IAS (1 Indexante de Apoio Social) = 419,22 €;
5.833,33 € / 419,22 € = 13,9 IAS;
Então pagará pelo escalão imediatamente inferior a 13,9 IAS (neste caso o 11º escalão - escalão máximo): 12 IAS x 0,296 = 12 x 419,22 € x 0,296 = 1.489,07 €
Impressionante...
Regime fiscal (a azul): É facultado ao TI, até 31 de Dezembro, a possibilidade de indicar o LT. Como a AT faculta à SS o valor das vendas e dos serviços porque não indica logo o valor do LT? É para testar as calculadoras dos serviços de cálculo da SS? Ou é para tirar partido de esquecimento, omissão, desconhecimento ou impossibilidade (doença, ou outra) do TI em pedir as alterações de escalão devidas e obrigá-lo a pagar, mensal e indevidamente, 1.489,07 € ? Admitindo o exemplo dado, o TI com contabilidade organizada cairia no escalão e pagaria 186,13 € por mês. Caso estivesse sujeito ao regime simplificado estaria no escalão e pagaria mensalmente 372,27 €. Veja-se as diferenças...
Serviços de restauração e bebidas (a verde): É facultado ao TI, até 31 de Dezembro, a possibilidade de indicar o CAE. Como a AT faculta à SS o valor das vendas e dos serviços porque não indica logo o CAE que vai incluído na declaração de IRS? E porque não indica, como atrás é dito, o valor do LT dispensando assim a informação do CAE? O LT é o valor de referência para a SS e pode depender do CAE no regime simplificado. Mas isso já foi declarado fiscalmente. Então bastaria o LT...
Resposta ao pedido de alteração do TI (a roxo): Então não querem lá ver que o nosso TI vai ter mesmo que pagar mensalmente os 1.489,07 €? Até que seja indicado o novo escalão? Quando? E até lá se não pagar é multado. Lindo...
Data(s) (a vermelho): Em casos conhecidos estes e-mails tem sido enviados a partir do dia 10 de Dezembro. Em qualquer dos casos só a partir de 6 de Dezembro é que a SS disponibilizou a faculdade de os TI’s pedirem alterações por via electrónica Dada a conhecida falta de celeridade da SS a resolver estes assuntos, como é dito acima, o nosso TI vai ter mesmo que pagar os famosos 1.489,07 €. Bonito...
Em resumo: Tudo se simplificaria se a AT indicasse à SS o Lucro Tributável. Estava o assunto arrumado. Ou...será que indica mas a SS tem instruções das mui iluminadas cabeçorras que nos governam para proceder desta forma? Num país onde o terrorismo fiscal se institucionalizou não é para admirar.

3 comentários:

Anónimo disse...

A somar a tudo isto o IMI! Quando é que espalham (por panfletos, por exemplo) pelo concelho de Olhão o escândalo que é o IMI a 0,5%?

Concelhos com população muito mais rica, como por exemplo Lisboa, com taxas de 0,3%, enquando Olhão tem 0,5%? Para onde foi o dinheiro? Ou será que o PS em Lisboa sabe gastar o dinheiro dos munícipes e o PS de Olhão é incompetente?

CINEBANK TORRES NOVAS CineBAZAR disse...

Revi-me completamente no exemplo colocado. Estando no meu caso a pagar o que a simulação outrora disponível no site da segurança social em me situavam no 1º escalão contributivo contrariamente ao colocado pela SS 3º.
Pois estou a pagar o que as regras, deles, mandam a pagar o 1º e não o que me pedem para pagar o 3º correndo o risco de vir a ser penalizado.
Mas se não tenho o rendimento não posso ter a contribuição como se o tivesse!
Já reclamei 3 vezes por escrito, fora os pedidos de esclarecimento feitos electronicamente, nenhum deles com resposta.
Aguardo impacientemente pela resposta que tarda em chegar.
Poderia também acrescentar a isto o prejuízo relativo ao abono das minhas três filhas...
Penso tudo isto se resumir a: IMCOMPETÊNCIA!!!

CINEBANK TORRES NOVAS CineBAZAR disse...

Revi-me completamente no exemplo colocado. Estando no meu caso a pagar o que a simulação outrora disponível no site da segurança social em me situavam no 1º escalão contributivo contrariamente ao colocado pela SS 3º.
Pois estou a pagar o que as regras, deles, mandam a pagar o 1º e não o que me pedem para pagar o 3º correndo o risco de vir a ser penalizado.
Mas se não tenho o rendimento não posso ter a contribuição como se o tivesse!
Já reclamei 3 vezes por escrito, fora os pedidos de esclarecimento feitos electronicamente, nenhum deles com resposta.
Aguardo impacientemente pela resposta que tarda em chegar.
Poderia também acrescentar a isto o prejuízo relativo ao abono das minhas três filhas...
Penso tudo isto se resumir a: IMCOMPETÊNCIA!!!