As demolições na Ria Formosa fazem parte de um contexto muito mais vasto que tem de ser analisado não de forma parcial mas no seu conjunto, no seu todo.
Com o desmoronamento do bloco de Leste, a correlação de forças politicas a nível internacional alterou-se ao ponto de terem abafado as ideologias, mas elevando a economia ao estatuto de ideologia dominante submetendo todas as acções aos interesses do capital sem o mínimo respeito pelo capital mais precioso, o humano.
Com a entrada, não referendada, na Comunidade Económica Europeia, por razões climáticas e geográficas, Portugal foi encarado como o jardim da Europa, zona de lazer por excelência. Para facilitar a tarefa, foram construídas auto-estradas, com ou sem custos para o utilizador, como forma de fazer chegar de forma mais rápida e confortável pessoas e mercadorias. Em contrapartida à criação da prestação de serviços foi-nos exigido a destruição do sector produtivo, com especial incidência na agricultura e pesca.
Como não podia deixar de ser, a Ria Formosa foi e é, especialmente afectada pela destruição provocada nas actividades ligadas directa e indirectamente ao mar através do encerramento das fabricas de conservas, que absorviam a maior fatia da pesca da sardinha, assistindo-se paralelamente ao abate de parte significativa da frota, agravado com a imposição de quotas de pesca, de proibições diversas como o tamanho das espécies, restrições não aplicadas a terceiros que pescam nas nossas águas e nos levam o nosso peixe sem o mínimo respeito pelo estado dos stocks ou da calibragem.
A Ria Formosa é um eco-sistema único, com duas margens, a terrestre e a oceânica formada por um cordão dunar composto por duas penínsulas e cinco ilhas barreira, entre-cortadas por duas barras artificiais e quatro naturais.
O cordão dunar é afectado pela dinâmica eólica das areias mas também e muito especialmente pela hidro-dinâmica das marés, deslocando-se as areias tendencialmente de oeste para este. Com a construção dos molhes das barras artificiais e dos esporões de Quarteira, as areias acumulam-se no lado oeste dos molhes ou dos esporões, impedindo a normal movimentação das areias tendo como consequencia a redução significativa das manchas de areal em pontos mais sensíveis como a Praia de Faro, a Ilha da Culatra (Farol e Culatra) ou Cacela. Esta situação faz reduzir em largura e altura o cordão dunar, fragilizando-o e à mercê dos galgamentos oceânicos, o que põe em risco pessoas e bens, sem que os diversos governos, de forma criminosa, tivessem definido uma correcta politica de defesa e combate á erosão costeira, para que o mar se substituísse ao camartelo.
Entretanto o Plano Regional de Ordenamento (PROT) elevou o turismo a eixo essencial do desenvolvimento da região e porque o Barlavento algarvio há muito que esgotara a sua capacidade para novos empreendimentos, havia a necessidade de criar condições para a exploração do Sotavento, ainda por ocupar. Mas como no Sotavento o que existem são ilhas, e não praias propriamente ditas,houve a necessidade de fazer aprovar, com a promiscuidade de PS e PSD-CDS, o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) por forma a permitir correr com os moradores das ilhas barreira, mesmo naqueles núcleos que remontam ao século XIX, criados pelos pescadores das armações que então existiam, numa altura em que ninguém queria viver naquelas condições.
Os moradores das ilhas, no passado, dedicavam-se essencialmente à pesca e ao marisqueio e foram modernizando as suas casas até aos dias de hoje. Obviamente que muitas outras pessoas, até pelo efeito do advento turístico, construíram ali casas, algumas de primeira habitação, mas também de segunda, reconheça-se.
Com a degradação da pesca, acompanhada pela poluição da Ria, provocada pelas ETAR, mas tambem pelos esgotos directos, muitos dos antigos pescadores e mariscadores, à falta de recursos procuraram em terra a fonte de rendimentos, mantendo a sua casinha na ilha, o quanto baste para que a Polis, num processo pidesco, as declarasse como segunda habitação.
Num contexto em que as barras naturais estão assoreadas, Barrinha, Armona, Fuzeta e Lacem e como tal fraca renovação de águas, que aliada à poluição, degrada substancialmente a qualidade ecológica das águas, com efeitos significativos nas actividades económicas tradicionais da Ria, a redução fatal da frota pesqueira associada às politicas restritivas, o fim da industria conserveira, fazem com que as que sempre viveram daquelas actividades procurem o sustento em terra, o que à luz dos planos de ordenamento é motivo mais que suficiente para correr com elas das ilhas.
A destruição, e hoje podemos dizê-lo, das actividades na Ria Formosa foi premeditadamente pensada para em oportuna conjugação com a lei permitir a desocupação das ilhas barreira e as entregar a interesses privados. Nunca será demais lembrar que, ainda as casa não foram demolidas e já existem projectos para as substituir.
A Lei do Domínio Publico Marítimo apenas é aplicada parcialmente e contra os mais fracos, sendo que os resorts nas Cabanas de Tavira, o edificado na Rua NªSª do Carmo,na Zona Ribeirinha da Fuzeta, e algumas vivendas na Quinta do Lago,e Ancão, estão situadas naquele Domínio e não estão previstas quaisquer demolições, numa clara dualidade de critérios.
Em termos ambientais quem mais tem degradado, por omissão ou por erros de calculo, o cordão dunar têm sido precisamente as entidades publicas que não respondem pelos crimes cometidos. E o mesmo se pode dizer quanto à qualidade da agua.
Estamos perante um acto de pirataria do Estado, que promove a fome como forma de correr com as pessoas e que não consegue explicar porque vai demolir as casas e nós embora não defendamos a construção, estamos claramente contra as demolições.
NÃO ÀS DEMOLIÇÕES!
REVOLTEM-SE, PORRA!
9 comentários:
Apareceu o Partido Socialista preocupado com os derrubes e agora aparece o PCP muito preocupado fazendo reuniões com as associações para que se possa esclarecer a situação junto da assembleia da republica e assembleias municipais.
Depois de 9 anos de aprovação do POOC mais vale tarde do que nunca, e assim vão dando esperanças aos contrariados como quem diz " A malta não esquece os vossos problemas" onde isto chegou!
Só te esqueceste de mencionar, que as casinhas do Farol quase todas servem para alugar no verão aos turistas por 3.000,00€/mês! Só mencionas o que te interessa, e que as pessoas que lá as construíram, o fizeram sabendo que o terreno não lhes pertencia, sem terem licença, ou plano aprovado! como é que podes estar solidário com estas pessoas que roubaram, e atuaram contra a lei, e ainda por cima, cobram 10.000,00€/ano, sem declarar às Finanças
As casas numeradas na praia de Faro apesar de aguardarem pelo resultado duma providência cautelar já estão a ser vandalizadas,como seria de prever.É uma coisa linda,pobres a roubarem outros pobres facilitando o trabalho do pólis.Arrobam-se as portas ou fazem um buraco na parede,só visto.Parece a Síria da guerra...
Tem toda a razão verdade nua e crua só quem não tem olhinhos, anonimo do dia 11 de janeiro de 2015 às 20:52 haja verdade nos comentarios,e tambem tem luz a borlio.
Onde está a mostra de solidariedade com os outros, Zé do Mar? Ou para si não há outros? É que os há, não tenha dúvidas.Esses outros, famílias de pescadores em particular, estão a ser dramaticamente injustiçados por um vento de canalhice revanchista.
Excelente post.
O comentário do dia 11/01 ás 20:52 diz a verdade nua e crua, as pessoas construíram casas, têm agua não pagam, algumas têm luz por obra e graça do espirito santo, não pagam IMI e ainda alugam as casa sem declarar os seus rendimentos. Algum dia isto tinha de acabar!!!!!
Quanta lábia de um lado e doutro!! Mas não vêem que os ricos ainda roubam mais?? Estão preocupados com o IMI do zé povinho? E o do Sócrates? e o dos outros como ele? Alugam?? Pois... fazem pela vida!! A vida é dura, mas há quem não pague impostos nem IMI viva à grande e à francesa e não precise de alugar casinha de férias para sobreviver.
Acho engraçado tanta lábia para denunciar quem tem pouco ou quem trabalha e tão pouca para denunciar quem rouba!!
Algum dia isto tinha de acabar!!!!
Pois tinha sim senhor, mas para quem? Quantas injustiças cometidas para acabar com o que está mal???
Fácil apontar o dedo a uns, difícil dar um abraço de apoio a outros.
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